Crítica: O Primeiro Homem (2018) | Novo filme de Damien Chazelle se resume como a experiência mais imersiva do ano
Antes de Neil Armstrong pisar na lua em 1969, Georges Méliès
já dava um grande passo para a humanidade. Em 1902, com o lançamento do belíssimo
filme Viagem à Lua, o diretor francês apresentava um dos gêneros mais populares
da sétima arte e a sempre envolvente e intrigante relação entre o homem e o espaço.
A ficção cientifica viria ganhar forças posteriormente com o clássico 2001: Uma
Odisseia no Espaço, de 1968, com um Stanley Kubrick e Arthur C. Clark
apresentando que não há desconhecido que o ser humano não possa explorar. Um
ano depois da estreia do filme, Armstrong pisava na lua.
É tudo cíclico.
Sabendo disso, Damien Chazelle apresenta em seu terceiro filme a
aventura do astronauta, que, estranhamente, nunca teve uma biografia lançada
nos cinemas. Em O Primeiro Homem, Chazelle, diretor dono de uma carreira invejável
em Hollywood e de um Oscar de melhor direção por La La Land – Cantando Estações,
se concentra na ideia do desconhecido, no mistério do que há de fora da Terra e
em outros elementos que formam a mitologia do gênero. Tudo isso pela visão de Armstrong,
astronauta de poucas palavras e expressões.
Ao concentrar todo o peso das 2 horas e 45 minutos de filme
na ótica de um único personagem, a abordagem do diretor dá preferência a uma temática
mais documental que ficcional. Fotografado com luz natural e com uma estética de
câmera tremida, Chazelle situa a claustrofobia dos astronautas e das famílias dos
mesmos com um incômodo como se algo muito ruim fosse acontecer a qualquer
momento. Com o apoio do silêncio e de um design de som primoroso, o diretor nos
coloca exatamente no ponto daqueles personagens. É uma sensação de desconforto
que, graças a técnica mais naturalista, torna tudo exaustivo - mas no bom sentido. É algo proposital e arquitetado pelo diretor.
Para o envolvimento do público ocorrer e o filme não se
tornar monótono, Chazelle repete a parceria com o montador Tom Cross e
compositor Justin Hurwitz, de Whiplash e La La Land, para criar a sintonia
perfeita entre imagem e som. É um trabalho primoroso que reproduz inúmeras sensações,
principalmente quando os astronautas Armstrong e Buzz Aldrin finalmente pisam
na lua.
Esse momento, por sinal, é uma emoção ímpar de 2018. A preparação
extensa que o diretor aplica durante os primeiros atos é para o espectador se
sentir, de fato, na lua. Foi uma viagem que exigiu suor, sangue, sofrimento, sacrifícios.
E é por isso que Chazelle filma como se fosse um balé ou uma ópera, onde tudo
precisa estar em perfeita harmonia para, enfim, o público se sentir invencível.
É uma sequência que veio para ficar e diferente de todas as outras que
mostravam o homem se arriscando a viajar no desconhecido.
Mas para isso acontecer, Chazelle precisava de um astro a
altura do momento. Ryan Goslyng, dono de uma filmografia competente, retorna ao
gênero de ficção cientifica, depois de um superestimado Blade Runner 2049, para
emocionar com o seu profundo desenvolvimento e carisma. Assim como Casey
Affleck em Machester a Beira-Mar, Gosling é um homem de poucas palavras, mas
que funciona perfeitamente no papel. Ele é um homem que, apesar de desafiar o
mundo e a história da humanidade, não consegue ter um simples diálogo com os
filhos. É um artificio do roteiro que evita discursos fabricados para o choro,
como aconteceu com tamanha frequência em Interestelar. Já Claire Foy,
interprete de Janet, esposa de Armstrong, desenvolve e apresenta o esmero de
ser uma mulher rodeada por homens da física, mas que não fica atrás deles.
Chazelle não cria uma ficção cientifica raiz como Kubrick fez com tanta paixão há meio século. O diretor filma O Primeiro Homem
de modo mais intimista para que ocorra um distanciamento dos demais longas do
gênero. É uma obra pouco convencional para uma biografia e menos didática que
os últimos sci-fi. É mais que isso. O Primeiro Homem é um filme que está do
outro lado da parede de vidro. Ele precisa do silêncio e da melancolia para
seguir em frente e mostrar que, apesar do grande passo da humanidade, nós ainda
somos pequenos.
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