Num ano tão louco para o Brasil quanto 2018, a arte permaneceu na contramão do óbvio e entregou grandes obras nas diferentes narrativas. Na esfera musical, cantores clássicos, jovens e passageiros dividiram o espaço com o lançamento de singles e álbuns inéditos. Aproveitando a expansão que o Quarto Ato passou no segundo semestre, confira abaixo uma seleção do que melhor une a mensagem das músicas com o poder do cinema; os melhores clipes brasileiros de 2018:
Listas 2018: Melhores Clipes Brasileiros
Lugar onde a primeira e a sétima arte se encontram
10. O Que Se Cala | Elza Soares
Elza não para, o seu tempo é "now", como diz no último documentário experimental lançado em 2014. Mesmo com esse histórico, não esperava que conseguisse repetir igualmente a dose cavalar de "A Mulher do Fim do Mundo", e conseguiu. "Deus é Mulher", lançado esse ano, evoca o grito feminista de modo único a Elza, porque faz dessa imagem a de uma Deusa, entrelaçando com a origem da necessidade de gritar. Num período que tanto discutimos apropriação cultural, e espaços de fala nas ramificações da sociedade brasileira, Elza canta somente o que se cala. Seu lugar de fala é o Brasil, cuja história de construção sangrenta está desenhada na metáfora do clipe. Sob um microfone-moto, Elza é guiada rumo ao Sol. Uma artista que consegue se renovar quase aos 90 anos, sinceramente, pode não ser uma entidade de nossa terra?
9. Indestrutível | Pabllo Vittar
No Brasil de 2018, Pabllo Vittar convive com seu sucesso e preconceito explícito dos que dizem julgar sua qualidade vocal. Pabllo, inclusive, lançou o melhor álbum de música pop do ano, "Não para não", uma aposta sonora que remete imediatamente ao que compõe os sons enérgicos do Brasil. A clipe da canção "Indestrutível" sintetiza o país que mais mata LGBT no mundo; um dado que marcou o seu amadurecimento e sua descoberta, cenário tão recorrente em toda sua esfera, ainda mais vinda da periferia. Mas, apesar de tudo, Pabllo é uma artista de um mundo novo, e sua mensagem na música e no clipe é de paz. Tudo vai ficar bem.
8. Ok Ok Ok | Gilberto Gil
Não preciso me dar o gasto de apresentar Gilberto Gil. Antes do álbum Ok Ok Ok, lançado esse ano, um dos pais da dimensão da nossa música quase partiu desse mundo para outra canção. Gil voltou de um longo processo de internações e cirurgias ainda mais vivo que antes, e o grito de seu último álbum é emocionante. No clipe da música título, os personagens observam um ambiente de estranha interpretação, pois o Brasil que Gil encontrou após voltar à vida foi o caos da extrema-direita, discussões sobre fascismo, a evocação do ódio dentro da concepção do bem. A voz velha de Gil emociona por ter visto tanto de um país racista chegar ao ponto que chegou, e o clipe registra isso com coragem.
7. A Cor é Rosa | Silva
Silva é uma das grandes surpresas para mim em 2018. Antes disso, sua música autoral era eletrônica à espelho do universo "malhação" que por tanto tempo sustentou a cultura pop na juventude brasileira. "A Cor é Rosa" é o principal lançamento de Brasileiro, álbum que reconstrói Silva como um artista dessa terra. Não canta sobre o que é a dimensão do Brasil, mas o que significa o seu pedaço de chão, Vitória, no Espírito Santo. O clipe, exaltando a simpatia e autenticidade do cantor, fala e mostra os espaços naturais de uma cidade pouco presente na mídia brasileira mas que tanto lhe respirou a arte. Acima de tudo, Silva é Brasil.
6. Medicina | Anitta
Anitta segue firme na sua intenção de despontar uma carreira internacional. A figura que já foi a mais importante na convergência das esferas "funk carioca" e "pop" hoje vive de uma pluralidade que pode até gerar desconfiança de identidade. Mas o que continua importando é que, apesar das polêmicas em que se envolve pelo silêncio político em relação aos fãs massivos da comunidade LGBT, Anitta é uma figura sempre nova. O clipe de Medicina é uma tentativa muito interessante de exultar a música pop como uma união das sensações; na metáfora mais óbvia, como uma cura para as dores do mundo. Por isso roda alguns países e filma diferentes povos dançando às suas maneiras a canção latina. Visualmente o impacto é imenso, e a direção e figurino garantem à obra uma atenção especial.
5. Pedrinho | Tulipa Ruiz
O trabalho de Tulipa vira e mexe se relaciona com a presença do corpo e sua identidade; Proporcional, do álbum "Dance" é bom exemplo disso. Em 2018, retornou a canção Pedrinho, lançada em 2017, para a criação de um clipe que evocasse a figura desse Pedro que fez (ou faz) parte da sua vida. Um Pedro que é bem resolvido com sua nudez; o clipe compõe os espaços com diferentes imagens masculinas que convivem com seus próprios corpos enquanto Tulipa, de presença imponente, flutua pelas nuvens por detrás. A obra conta com a participação de Kelner Macêdo, protagonista do recente Corpo Elétrico, de Marcelo Caetano. "Pedrinho" se torna, a cada segundo, uma imersão carinhosa na experiência do corpo nu.
4. Pac Pac | Pakadon, MC Loma e as Gêmeas Lacração e Aretuza Lovi
A ascensão de Mc Loma e as Gêmeas Lacração no universo "pop" das redes sociais foi tão imediato quanto seu declínio. Esse processo, porém, é natural para essas figuras urgentes que surgem como a única novidade importante por um curto período de tempo. Em 2019, talvez pouco ouviremos sobre o trio de garotas do funk, mas o caminho percorrido em 2018 já é uma trajetória divertida. "Pac Pac", de Pakadon, é uma aposta certeira no tom elétrico, uma canção que pouco tem significado real, mas, junto ao clipe, reforça seu poder de incitar o movimento. No clipe, uma super festa acontece num ambiente futurístico - a começar pelo Pakadon evocados como Daft Punk - enquanto as personagens dessa história trafegam num dos sons mais enérgicos do ano.
3. Flerte Revival | Letrux
Letrux, conhecida também como Letícia Novaes, é um dos nomes mais interessantes nas novidades sonoras do Brasil. O som "marginal", apesar de controlado, canta seu álbum de estreia com uma belíssima e assustadora mistura de dor e felicidade num tom de sinceridade de seu estado. O clipe de Flerte Revival é todo reverenciado "às artes plásticas", onde conheceu o marinheiro da canção, e o imaginário psicodélico que implícita na canção foi transferido integralmente para o clipe. No vídeo, Letícia está à sós com a arte e seu desejo, apenas desejo, de encontrar novamente aquele homem que tanto a chacoalhou. Um trabalho incrível de percepção e imersão na mente de uma artista plural e tão "explosível".
2. O Cu do Mundo | Adriana Calcanhoto
Com um título provocante, "O Cu do Mundo" foi lançado em 2018 como single por Adriana Calcanhotto, uma releitura da música de Caetano Veloso. O clipe, lançado pós as eleições presidenciais, discorre sobre uma nação em sua época mais podre; lugar, esse, onde o "criminoso" se tornou adjetivo comum aos que comandam a sociedade. No clipe, homens "afeminados" desfilam como parte desse grupo de linchadores expondo a homofobia, a explosão do ódio com a menção aos movimentos supremacistas do nazismo e Klux Klux Klan, culminando num lixão, a soterração da honra, da paz, de uma sociedade igualitária. É corajoso relançar uma canção tão específica para atualizar seu significado. A tirar pelas reações nas redes sociais se aterem unicamente à expressão "cu", e pouco perceberem que fala da violência social, faz ter certeza que a realidade moralista da música e do clipe vieram em melhor hora pra gerar essa dúvida.
1. Bluesman | Baco Exu do Blues
Creio ser impossível passear pelo novo álbum do Baco Exu do Blues sem sair desconcertado. "Bluesman" é a exaltação do grito de um novo mundo tão liberto que qualquer ponderação parece tola. Trechos como "Eles querem que Pantera Negra seja só um filme" ou "Me escuta quem cê acha que é ladrão e puta. Vai me dizer que isso não te lembra Cristo" são pérolas no impulso de um rap brasileiro mais urgente e diretamente popular. O clipe de concepção assombrosa, dirigido por Douglas Ratzlaff Bernardt, é um caminho do homem negro dentro da cidade, correndo com a própria sensibilidade da arte e gritando em sons disformes sobre o seu mundo que o Brasil não vê. O Brasil da ilusão das minorias, um Brasil que se esquece (ou se faz de doido, como no clipe acima da Adriana Calcanhoto). O filme oficial de Bluesman é abertamente impressionante em todas as esferas que é capaz de ouriçar. Tinha mesmo que ser em 2018.
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