Uma vez, em um debate sobre o papel da crítica, me perguntaram o que faltava para o cinema brasileiro alcançar outros cinemas, como, por exemplo, o argentino - foi o exemplo citado. Em 2016, passeava por um grupo de cinema do Facebook e havia uma polêmica nos comentários de uma postagem sobre um garoto cansado de “tanto Aquarius”. Sua tese buscava desdenhar do cinema brasileiro e do quanto ele ainda era precário. Incitado pelos participantes do grupo, descobriu que suas maiores referências nacionais eram Ingrid Guimarães, Leandro Hassum... e Aquarius. Fico imaginando como esse caldeirão está imensuravelmente distante de definir o que nosso cinema tem a dizer.
A quem devemos tanto pela desconhecimento?
No início da década de 60, na carreira dos movimentos mundiais, o Cinema Novo movimentou nossa identificação com o Brasil de maneira abrupta. Glauber Rocha se tornou bandeira brasileira, enfrentou o regime militar com arte e motivou muitos outros a isso; não há uma fala de Martin Scorsese sobre a história do cinema mundial que não passe pela influência do Cinema Novo. Filmes como Terra em Transe, de Glauber e O Desafio, de Saraceni, tornaram-se mensagens.
Uma de suas maiores dádivas, assim como a literatura ou a música, é a atemporalidade. Filmes de 1960 foram feitos para um público que tinha sua própria maneira de compreendê-los e de emoldura-los. Com o passar dos anos, os novos olhares seriam capazes de sentirem o mesmo impacto? Não. Embora toda devoção à obra, há um sentimento construído em cima do que o filme foi capaz de representar. Tendo que lidar, não somente com outros milhares de olhares, mas com olhares do passado, olhares lapidados por outros costumes e princípios. Não há, no mundo, nenhum olhar igual, e isso poderia ser margem para o descompromisso com o passado ao atrelá-lo imensamente ao presente.
O cinema brasileiro atual pode ser definido por Ingrid Guimarães e Leandro Hassum se a fonte for os recordes de bilheterias. O espectador acostumado com essas imagens (e afins Globo Filmes) que pagou por elas está disposto a olhar em volta e perceber que existe outro formato por ali? A crítica Isabela Boscov comentou em um de seus vídeos que admirava a geração levada ao cinema por “Harry Potter” ou “filmes de quadrinhos”; era muito importante que algo estimulasse isso. Mas essas mesmas pessoas sairiam do estímulo e abraçariam a mídia imensa como ela é? Ou estão ali para assistirem somente aquilo?
Ou seja, o presente nos leva ao cinema. Mais que isso, o momento, a mídia, a discussão, a atenção. Por que não olhar em volta?
A Argentina inclui “Cinema” no currículo escolar básico enquanto o governo de Temer cogitou retirar “artes” - e nem vou me ater ao descaso do presidente eleito sobre esse tema. Vem alguém perguntar se estamos devendo ao cinema argentino? Somos institucionalmente levados a não saber que temos um cinema. Não sabemos que na esquina tem uma equipe se digladiando para fazer um filme com 400, 500 mil reais. Vamos no Facebook reclamar dos artistas que “gastam dinheiro com besteira” enquanto pagamos 40 reais na inteira do IMAX do Capitão América que custou 250 milhões de dólares.
O cinema brasileiro tem uma consistência de pluralidades, e isso é genial para nossa identificação. Cada vez mais se torna possível a sensação de representação, de perceber que aquele seu sentimento está na tela, que aquele traço que você nem sabia que admirava está lá. O cinema argentino consolidou-se aos próprios argentinos e essa é a única diferença. Embora tenha demorado para formular esse raciocínio, e talvez não ter dito 1/3 dele, a resposta à pergunta feita no debate foi rápida: não estamos devendo nada a ninguém de fora, estamos devendo à nós mesmos.
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Ao fazer minha lista pessoal de melhores filmes brasileiros de 2018, chorei. São filmes muito poderosos que encontraram seus próprios meios para dizer tanto sobre a gente. Abaixo, aproveito para compartilhar e deixar como dica.
1. As Boas Maneiras, de Marco Dutra e Juliana Rojas
2. Arábia, de Affonso Uchôa
3. Animal Cordial, de Gabriela Amaral Almeida
4. O Processo, de Maria Augusta Ramos
5. Baronesa, de Juliana Antunes
6. Tinta Bruta, de Filipe Matzembacher e Márcio Reolon
7. Benzinho, de Gustavo Pizzi
8. Paraíso Perdido, de Monique Gardenberg
9. Para Ter Onde Ir, de Jorane Castro
10. Aos Teus Olhos, de Carolina Jabor
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