Pular para o conteúdo principal

Resenha: Merdada - “Hang Loose Para Jesus” (2018)

Uma sucessão de desgraças políticas e sociais. Esse poderia ser o resumo antecipado do que foi o ano de 2018. O Brasil elegeu um meme para presidente, facilitando a presença do fascismo entre vários núcleos da sociedade brasileira. Um gosto amargo difícil de sair. Por mais indigesto que esses fatores são, serviram de combustível do ódio para o disco “Hang Loose Para Jesus” (Läja Records), lançado no último dia 16 de novembro pelo Merdada. O grupo jovem é formado pelas bandas Facada, de Fortaleza, e Merda, de Vila Velha. 

Resenha: Merdada - “Hang Loose Para Jesus” (2018)

É Merda e Facada tudo ao mesmo tempo agora


Uniões entre bandas no cenário do rock underground geralmente resultam em álbuns split, onde as músicas de cada artista ficam separadas em lados opostos do disco. Diferente do padrão, o Merdada é uma mistura homogênea entre o grindcore corrosivo do Facada e o powerviolence tosco moleque do Merda. Os componentes dessa empreitada são Carlos James (vocal), Danyel Noir (guitarra solo) e Dangelo Feitosa (bateria), integrantes do Facada, e Fábio Mozine (guitarra base e vocal) e Rogério “Japonês” Araújo (baixo e vocal), integrantes do Merda.


Semanas antes do lançamento, a banda já tinha liberado no YouTube as faixas “Fogo Na Cachaça” e “Facada no Bucho”. Os dois singles anunciaram o método aplicado pela banda nas composições, tanto em termos sonoros como líricos. Por mais que as músicas tenham títulos desencanados, como “Você é Burro” e “Demência Alcoólica”, é a pancadaria sonora que prevalece. Uma soma bem coesa da identidade de cada banda.


O disco começa com “Nazareno Empalado”, um título que faz tradução literal do Impaled Nazarene, banda finlandesa de black metal. O aceno não fica só no título, já que os esforços de Danyel Noir na guitarra deixam a música trevorosa como se tivesse vindo da Noruega. A fúria continua nas faixas “Você é Burro”, puro suco do grind, e “Desgraça”, essa última com 15 segundos apenas e com direito a uma intro do Mozine.

Na faixa “Salafrário”, James reitera que “sofrimento é pouco pra reaça”. Aliás, o vocal urrado dele está presente na maioria das faixas do disco. Incompreensíveis, como toda boa canção de grindcore deve ser. Atentando para o instrumental, “Instarocker” e “Espiríto Santo” são faixas onde os blast beats de Dangelo imperam.

O álbum se sustenta também em outras características. O riff de “Demência Alcoólica” entrega logo as influências de garage rock. Gabriel Thomaz, vocalista do Autoramas, desacelera o álbum cantando na faixa  “Menino”, um rock bubblegum que critica o fascínio pelo autoritarismo pelos mais jovens. No naipe do que é feito em Vila Velha, o hardcore acelerado de “Facada no Bucho” ilustra o atentado sofrido por Bolsonaro. As palhetadas rápidas da faixa título dão um toque de thrash metal à composição.

A primazia do álbum, porém, está presente em “Fogo na Cachaça”. A faixa resume a proposta do álbum em apenas um minuto e meio. Nos primeiros segundos, o ritmo segue cadenciado, para logo depois a “participação especial” de Tom Araya, do Slayer, anunciar a fúria antifascista. Pronto, a desgraceira começou. O que se segue é um solo de guitarra frenético do Daniel Noyr, uma gritaria porra louca do Mozine e os urros de Carlos James. E como não se impressionar com a curta letra, que imagina: “Se a cada gole de cachaça que eu tomasse o cu de um fascista queimasse”. 

Merda e Facada se “coverizaram” em duas faixas, o que torna a união mais interessante. “Arma de Brinquedo”, do Merda, recebeu uma versão do Facada enquanto “O Cobrador”, do Facada, recebeu uma versão do Merda. Há também o cover de Surfer Boy, do Fear of War.

O que favorece a uniformidade do disco é a produção. Gravado em Fortaleza, no Estúdio Esconderijo, o álbum foi mixado e masterizado na Suécia por William Blackmoon, que já trabalhou no “Quebrante”, último lançamento do Facada. O resultado final evidenciou o impacto sonoro, com um som mais sujo das guitarras e uma bateria mais forte. 

A imbecilidade do brasileiro está presente na capa de autoria do Marcatti, responsável pela capa do disco “Brasil” (1989), do Ratos de Porão. Para todos os efeitos, “Hang Loose para Jesus” xinga, berra e critica, mas ainda pode ser um álbum ótimo pra ouvir tomando cerva, jogar futebol na várzea e fazer besteira nas ruas, até porque, como diz a própria banda, “...de chuteiras pretas, meiões arreados e camisa para fora do short, somos o MERDADA”.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

A Morte do Demônio (2013) | Reimaginação do "Conto Demoníaco"

The Evil Dead (EUA) Em 1981, Sam Raimi conseguiu realizar algo extraordinário. Com um orçamento baixíssimo (em volta de 1,5 mil), o diretor reinventou os filmes idealizados dentro de uma cabana com jovens e demônios. Além disso, ainda conseguiu fãs por todo o planeta que apreciavam a maneira simples e assustadora que o longa fora realizado. Em 2009, Raimi entrou em contato com Fede Alvarez por seu recente curta-metragem viral que rolava pela internet. A conversa acabou resultando na id eia de uma reinvenção do “conto” original de 1981. Liberdade foi dada à Alvarez para que tomasse conta da história. Percebe-se, a início, a garra deste para uma boa adaptação, no entanto, ainda peca por alguns problemas graves percebíveis tanto para quem é ou não é fã do original. Ao que tudo indicava, seria um Reboot. Mas se trata, na realidade, de uma (aparentemente) continuação audaciosa. A audácia já começa no pôster de divulgação: “O Filme Mais Aterrorizante que Você Verá Nesta Vida”...

Anúncio Oficial [Duas Faces do Cinema: Quarto Ato]

Desde que nós dois, Arthur Gadelha e Gabriel Amora, sentamos para decidir o nome do blog de cinema que escreveríamos a partir dali, e entramos no acordo que “Duas Faces do Cinema” intitularia o projeto, já sabíamos, mesmo sem dizer um para o outro, que ele não perduraria para sempre; não como principal. No entanto, assim que lançado, ainda com um fundo preto e branco, separando o casal principal do grande vencedor do Oscar, “O Artista”, a marca “Duas Faces do Cinema” ganhava espaço entre amigos e familiares.

O Retrato de Dorian Gray | Os segredos de Dorian

Oscar Fingal O’Flahertie Wills Wilde nasceu em 1854 em Dublin, estudou na Trinity College de Dublin e, posteriormente, no Magdalen College em Oxford. Seu único romance foi O retrato de Dorian Gray e seu sucesso como dramaturgo foi efêmero. Morreu em 1900 em Paris, três anos após ter sido libertado da prisão por ter sido pego em flagrante indecência.  O retrato de Dorian Gray foi publicado pela primeira vez em 1891 em formato de livro em uma versão bastante modificada do romance original de Oscar Wilde, pois foi considerado muito ousado para sua época. Já tinha sido editado quando publicado em série na revista literária Lippincott’s em 1890 e depois ainda foi alterado pelo próprio Wilde, que em resposta às duras críticas, fez sua própria edição para a publicação em livro. Estamos falando de uma Inglaterra do século XIX bastante tradicionalista e preconceituosa, assim, a versão original, tirada do manuscrito de Wilde, nunca havia vindo a público. Nicholas Frankel, professor de I...