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Creed ll (2019) | O legado de uma guerra

Em sua essência, Creed ll é uma sequência de Rocky IV, ainda que ofereça uma temática bastante diferente do filme oitentista. Enquanto que a obra era uma propaganda sobre o fim da Guerra Fria e desenvolvia a rivalidade entre os Estados Unidos e a União Soviética, Creed ll esquece tudo isso e foca na construção de personagens e nas relações entre pais e filhos. Com este tema já recorrente em toda franquia, Adonis, Bianca, Rocky, Viktor e Ivan Drago enfatizam, mais uma vez, que a saga, diferente do que muitos pensam, não é só sobre boxe; é sobre amor.

Logo no início, o filme apresenta Adonis, interpretado novamente pelo carismático e sempre competente Michael B. Jordan. Com uma enorme dificuldade de se afastar da imagem de seu pai, Apollo Creed, considerado o maior lutador de todos os tempos, o protagonista propõe Bianca, vivida pela eficiente Tessa Thompson, em casamento e passa a lidar com uma nova criança na família. E, nesse sentido, Balboa surge das sombras para assumir de vez a figura paterna de Adonis. 

Ele treina o garoto para o ringue e para a vida, como podemos observar nos vários momentos em que o personagem oferece conselhos de relacionamento e paternidade. Já nesse ponto, o filme é extremamente dramático, logo que Rocky repara que dedica um amor imenso ao filho de seu amigo, mas se distancia cada vez mais de seu filho de sangue. Isso oferece ao astro Sylvester Stallone uma atuação cheia de camadas, já que tudo que é dito por ele traz consigo o peso da saudade do passado que o público conhece tão bem. É uma atuação rica e que, através de poucas palavras e gestos, emociona facilmente.

Já Dolph Lundgren, o maior vilão da franquia, ganha uma humanidade completamente diferente daquela estereotipada do quarto filme. A derrota para Balboa fez com que perdesse tudo, inclusive a sua esposa e o seu direito de viver na Rússia. A partir disso, ele transforma o seu filho na mesma máquina sem sentimentos que foi outrora. Logo na introdução, por exemplo, em uma intensa sequência de cinco minutos sem diálogos, conhecemos a rotina sombria dos personagens que, acompanhado da fotografia cinza da Ucrânia e dos vários planos-detalhe de jornais, pontua a dor de Ivan e sua determinação em transformar o seu filho em um monstro.

Ele encontra em Viktor uma forma de redenção, algo que o coloca em uma posição de antagonista concentrado em matar. Por meio disto, o roteiro garante um misto complexo de desenvolvimento para o personagem vivido pelo lutador Florian Munteanu, que, ao mesmo tempo em que é vilão, é vítima. A química entre ambos funciona, principalmente na cena do jantar, onde claramente os dois são os mais pobres emocional e financeiramente. As roupas cheias de fiapos dos dois mostram isso e a música, com batidas altas de tambores, enfatiza o sofrimento e a vontade de sair daquele lugar de miséria.

Assim, Creed ll desenvolve as inúmeras relações de pais e filhos presente no roteiro. É uma obra que fala de gerações e de como passar o bastão é importante. Enquanto que Adonis luta para vingar o seu pai, morto por Drago no quarto filme, Viktor luta pelo amor de sua mãe que o abandonou. No final da obra, neste sentido, fica claro que em toda guerra, de fato, só há perdedores.

Mais que isso, Creed ll ainda encontra espaço para mostrar os sintomas extremamente negativos da masculinidade tóxica que vivemos. Adonis, considerado, finalmente, o pai da família, encontra no ego e orgulho uma forma de afastar Bianca de sua dor, sendo ridículo ao ponto de entrar na piscina só para ninguém observá-lo chorar. Assim como Viktor, vilão que desconta a raiva na violência e no jogo sujo, visto que uso métodos proibidos do boxe para quebrar Adonis.

A direção de Steven Caple Jr., nesse sentido, entra como um respiro do comando estilizado de Ryan Coogler. Ele até emula a direção blaxploitation do primeiro longa, mas garante aqui um clima diferente de tensão constante, que, obviamente, conta com o apoio da música usada exatamente nos momentos certos, criando uma rima narrativa interessantíssima para os fãs e novos espectadores, assim como a montagem, que, diferentemente do primeiro filme, oferece poucos planos-sequência, mas cenas tão complexas e tensas quanto.

+ Crítica: Creed: Nascido Para Lutar (2016) | Rocky Balboa ainda cativa plateias

Creed ll, apesar de contar com a fórmula clássica de filmes de superação, apresenta um drama encantador sobre vida e amor. É uma obra com muito coração e que desenvolve conflitos sobre masculinidade tóxica, amores não correspondidos e sobre a coragem de continuar lutando por aqueles que amamos. Essa é a verdadeira batalha da família Creed. Felizmente, os fãs da franquia ainda entendem isso, como pude perceber na sessão de pré-estreia do filme, realizada na CCXP 2018. Eram 3.500 pessoas torcendo, vibrando, lutando e amando com Adonis. 

Crítica: Creed ll (2019)

O legado de uma guerra

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