"Ser ou não ser. Eis a questão". Já dizia Hamlet no clássico que dá nome ao protagonista de uma das tragédias mais importantes de Shakespeare. No caso, a personagem se indagava sobre ser ou não um assassino, mas já trazia grande discussão que existe até os dias de hoje: a questão da identidade. E é esse o principal tema tratado pela edição de março da Tag - experiências literárias, categoria inéditos, em obra da italiana Donatella Di Pietrantonio. A identidade de uma menina que, após ter sido criada pela prima distante de seu verdadeiro pai, é enviada de volta para a família original.
Em a Retornada, a protagonista, após retornar para sua cidade natal, onde não volta desde basicamente recém-nascida, se encontra em uma família menos afortunada, com vários irmãos que nem sabia que tinha e com pais que nem mesmo parecem que a queriam de volta. Essa situação, misturada com a dúvida do porquê de sua volta, a faz tentar criar uma nova rotina, mas nunca entrar realmente nela. A esperança de que seus antigos "pais" a viessem buscar faz parte de seu dia-a-dia e é o que define, de fato, suas motivações.
A Retornada - para mim, "a devolvida", termo ainda mais adequado - foi bela surpresa no mês de março. Depois de duas experiências não tão satisfatórias quanto poderiam ser nos meses anteriores ("Um Casamento Americano" e "O Bom Filho", edições de janeiro e fevereiro respectivamente), a trama italiana expõe escrita simples, mas não deixa o nível de sua narrativa descer em momento algum. A história, que às vezes parece ser um grande flashback, mantém a intensidade nas entrelinhas, o que torna a leitura fluida, mas ao mesmo tempo acentuada em seu tema: o abandono. Nesse gancho, não pude deixar de sentir uma inspiração temática e de escrita na autora conterrânea de Pientrantonio: a já célebre Elena Ferrante.
+Um Casamento Americano
+O Bom Filho
+Um Casamento Americano
+O Bom Filho
A escrita é por vezes nostálgica e por outras assertiva, mas sempre singela, sem falar do tamanho não tão grande da obra (a edição que tenho em mãos possui só 175 páginas) e da sua divisão em pequenos capítulos, o que faz com que em poucos dias - ou até horas - o livro possa ser "engolido". A busca de respostas pela protagonista se torna a nossa busca, e a frustração dela é o nosso drama.
Entretanto, o sentimento do inacabado paira sobre o livro. E o pior: parece ser proposital. A autora parece querer deixar o vazio em nossos peitos, assim como faz questão de ratificar a ausência clara de identidade da protagonista. Nos instiga a fazer perguntas sobre quem somos ou quem são essas pessoas que convivemos todos os dias. Sem falar da ideia do efêmero. Em um dia, você pode estar no macio de uma cama e depois descobrir que aquela vida nem era para ser sua, para começar. Ou em um momento você pode estar com sua mãe, seu pai, seu irmão, e perder o rumo da sua vida para sempre.
O livro é, de fato, triste. A mágoa, o erro, a dor, o abandono. São palavras que não paravam de rodear minha cabeça nas páginas lidas. Mas de maneira alguma deve ser evitado por esse motivo, pois é essa explosão de sentimentos que faz a obra ser o que é. Essa é a sua própria identidade. E devemos respeitá-la.
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