Em 2008, no fim do primeiro Homem de Ferro, Tony Stark, personagem completamente mesquinho, machista e fascista, entregava ao público a seguinte afirmação: “Eu sou o Homem de Ferro”. Aquilo mudou o gênero, visto que se mostrou como o primeiro passo de uma saga que se encerra agora com Vingadores: Ultimato. O mesmo público, que acompanhou por 11 anos essa franquia, cresceu, mudou, amadureceu. Ou, pelo menos na teoria, deveriam ter amadurecido. Tony Stark, felizmente, evoluiu com os anos. Ele continua metido, mas não pronuncia mais a frase com egocentrismo ou paixão pelos holofotes. Em Ultimato ele fala por altruísmo. E é apaixonante perceber essa mudança. Mudamos com eles.
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Nesse sentido, Vingadores: Ultimato funciona como uma final de Copa do Mundo, onde todo mundo vai conferir o desfecho. Independente da nação campeã, a celebração deixa de ser uma festa frequente para se tornar um evento. Se diferenciando de todos os filmes do gênero, inclusive da própria empresa, o longa, que encerra os 11 anos de Universo Marvel, é calcado na diversão do fã de longa data, acostumado com os personagens desde as páginas dos quadrinhos de Stan Lee e Jack Kirby, e do novo fã, que descobriu os heróis com os filmes que começaram em 2008. É uma festa de três horas, que, graças ao vórtex temporal, parece três minutos.
É um serviço ao marvete que celebra, ao lado dos diretores e roteiristas, uma variedade incansável de homenagens, de participações especiais e de resoluções de arcos. Com esse investimento, o público se depara com uma qualidade inigualável no roteiro e nos diversos momentos “uou” que o longa propõe.
Joe e Anthony Russo entregam tudo isso e ainda viajam um pouco mais. O roteiro, apesar de não ter um respiro na ação, é dinâmico o suficiente para mostrar que sempre há algo de extrema importância na tela. Com a missão de encerrar inúmeras franquias ao mesmo tempo, Ultimato ainda tem a audácia de criar uma personalidade completamente imprevisível, já que os heróis “resolvem” o problema do antagonista com poucos minutos de filme, mesmo que não consigam se desgrudar da imagem demoníaca e onipresente do mesmo.
Mais que isso, Ultimato também encontra espaço para subverter as expectativas. Se antes nos filmes da Marvel os heróis brincavam entre si, abusando constantemente da comédia, no último capítulo é notório que os diretores tiram sarro do humor do próprio universo, como pode ser observado na piada do uniforme do Capitão América. Nascido das redes sociais, por muitos anos o uniforme do Capitão, visto no primeiro Vingadores, foi dado como chacota, tanto que nunca mais tocaram nele nos filmes posteriores. Em Ultimato, Steve Rogers encontra a sua figura do passado para, enfim, deixar de lado o humor e abraçar a responsabilidade de um futuro sem tempo para essa picardia de outrora.
Isso também pode ser observado com a ideia de que, finalmente, os heróis da Marvel deixam de ser humanos e se tornam mitos, muito mais profundos, por sinal, que aqueles da DC. De forma acentuada e subjetiva, o filme exemplifica essa construção dos costumes americanos. O filme já começa com uma família almoçando cachorro quente em uma fazenda, por exemplo. Depois disso, existe uma longa variedade de elementos que desenvolvem os heróis em algo maior que eles, logo que sempre alguém aparece escutando um rock puramente americano, como Rolling Stones, ou discutindo as possibilidades do “cidadão de bem”, como Thor faz ao explanar sobre as suas motivações e erros do passado.
Tais elementos acabam por emocionar, uma vez que enfatizam que por trás da roupa de herói existe um indivíduo com preocupações, frustrações e mágoas. Considerado por muitos como o grande mérito da Marvel, é importante destacar que existe, de fato, uma identificação com todos os heróis. Capitão América, por exemplo, sem dúvida participaria de um grupo de terapia para ajudar os demais. Nesse ponto do filme já estamos anestesiados, logo que a montagem prepara para a longa e intensa montanha-russa que vem a seguir, algo que poucos conseguem fazer com tanto brilhantismo. Sabe a tensão de Mad Max: Estrada da Fúria? Ela volta aqui.
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Não por acaso que, durante o longo período do filme, é possível encontrar uma mãe zelosa, que perdoa todos os pecados do filho, ou um pai trabalhador, preocupado por ser workaholic. Dos temas tratados, Ultimato desenvolve, inclusive, o retrato do ideal americano de, enfim, conseguir voltar pra casa depois da guerra, algo que justifica o zoom de uma casa de subúrbio ao som de um jazz no fim do filme. Sem preocupações com crises econômicas ou com a guerra entre nações, os Vingadores podem, finalmente, observar a natureza e as cores da rotina. Não por acaso, uma das mortes mais sentidas envolve justamente aquela personagem sem laços de sangue, justificando que quem não tem nada a perder acaba sendo ainda mais corajoso e inconsequente do que quem tem. Funcionando como um retrato perfeito da personagem esquecível, os heróis nem pensam muito no que aconteceu, logo que a missão de voltar pra casa e encontrar a família é a prioridade do momento.
Isso acaba sendo, consequentemente, um cinema de raiz norte-americano, onde os temas dos filmes dos anos 1970/1980 retornam como uma autocelebração da era de ouro da arte, a qual tudo era colorido e reversível, assim como as viagens no tempo realizadas por Marty Mcfly e Doc Brown em De Volta para o Futuro. Por sinal, essa dinâmica de voltar para o passado e ser maior do que um dia foi é muito próxima dos quadrinhos. É fácil encontrar elementos que exemplificam essa magnitude e natureza do mito do super-herói americano que, com poucas ações, acaba destruindo os antagonistas, como na cena em que o Homem-Formiga sai dos escombros ou na sequência do elevador onde Steve Rogers dá uma rasteira em mais de dez personagens ao mesmo tempo ao pronunciar apenas duas palavras, referência gigante ao Império Secreto, polêmico momento dos gibis.
Como encerramento de um projeto ambicioso de 11 anos, Ultimato se sai melhor que o esperado. Apesar dos altos e baixos durante a última década, é inegável que existe um envolvimento emocional, como aconteceu com Star Wars, O Senhor dos Anéis e Harry Potter. E não há nada mais bonito e aconchegante do que encontrar os seus heróis resolvidos com a autoconsciência do que eles são a partir de agora.
E como Capitão América diz em determinado momento para o público: “Avante”. Sem gritos de guerra, sem exageros dos deuses olímpicos, sem firulas. Essa fase do universo acabou. Assim como os nossos heróis, nos resta partir para a próxima aventura.
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