Desde sua primeira aparição no quadrinho Batman #1,
em 1939, o palhaço do crime tem sido um dos vilões mais importantes e
instigantes da cultura pop. Foram várias aparições do personagem em diferentes mídias
e abordagens. Nos quadrinhos podemos citar dois clássicos de grande importância:
A Piada Mortal e Cavaleiro das Trevas. Já nas animações vale
a pena citar a brilhante dublagem de Mark Hamill, que também aparece nas
séries de games Batman Arkham. Na TV temos o seriado cômico dos anos 60, interpretado pelo lendário Cesar Romero. E, finalmente, no cinemas, tivemos
Jack Nicholson na gótica cidade de Gotham de Tim Burton, o
caótico e até hoje celebrado Heath Legder na trilogia de Christoper
Nolan, e o mal aproveitado Jared Leto na sua versão gangster em Esquadrão
Suicida.
Coringa: Dançando em direção a insanidade
CRÍTICA
Contudo, nenhuma das abordagens anteriores foram tão longe
na psique do personagem quanto no novo filme de Tood Phillips: Coringa.
Aqui somos convidados a assistir um estudo de personagem onde Joaquin
Phoenix, em sua melhor atuação da carreira, vai pouco a pouco mostrando o
declínio de um homem com problemas mentais, em uma sociedade igualmente
doentia, se transformar no temido vilão que conhecemos.
Acompanhamos Artur Fleck (Phoenix) no início de sua carreira
como palhaço e comediante enquanto mora e cuida de sua mãe doente (Frances
Conroy). Ele convive com alguns distúrbios mentais, sendo um deles uma
risada descontrolada em momentos de ansiedade e pressão. Devido a seus
problemas de saúde e a alguns acontecimentos violentos na sua vida, somos
apresentados a um caminho sem volta que levará Artur a mais pura loucura que se
caracteriza no Coringa.
Um ponto interessante de perceber é que o diretor do longa retira
suas maiores referências em filmes do que propriamente nos quadrinhos, apesar
de, sim, existir claras conexões a gibis clássicos. Há uma influência óbvia da
filmografia de Martin Scorsese, especificamente dos filmes Taxi Driver e
O Rei da Comédia. Em Coringa, temos uma Gotham que se parece muito com a
Nova York em que vive Travis Bickle (protagonista de Taxi Driver): uma
cidade suja, com lixo por todos os cantos, locações com uma iluminação difusa,
mas que produz um belo contraste de luz e sombras, e ambientes claustrofóbicos em
estado de decadência.
Há um enorme mérito do diretor de fotografia Lawrence
Sher e do designer de produção Mark Friedberg na criação de uma
cidade que emula Scorsese, pois, com isso, sentimos juntos com Arthur todo o clima
sombrio e a desesperança que se espalha na localidade, bem como uma clara
desigualdade social que fica enfatizada no contraste entre a população comum e os
ricos simbolizados pela família Wayne.
Porém o show fica nas mãos de Phoenix. Na maioria
das abordagens anteriores tínhamos a origem do palhaço do crime como um grande
enigma e ele tentava demonstrar que a cidade era tão louca e monstruosa quanto
ele. Aqui temos o surgimento e a transformação de um personagem que vai se moldando
aos poucos no puro caos, indo muito além da sua conhecida origem mostrada na HQ
Piada Mortal.
Arthur tenta se adequar a sociedade, mas o que recebe em
troca é puro desdém. A risada em momentos de pressão é uma sacada de mestre de filme,
pois o riso não demonstra graça mas, sim, a angustia de Fleck, uma perfeita
alusão ao clássico o Homem que Ri (obra que é referência para criação do vilão nos quadrinhos), longa de 1928, onde o homem que está condenado a
sempre sorrir mesmo quando este sofre.
O protagonista sobe todos os dias uma escadaria, o que
demostra uma alegoria perfeita para ser aceito na sociedade. Tendo que fazer um
enorme esforço e fingindo ser uma pessoa normal. Arthur cria em sua mente
devaneios (fantasias essas que são referências claras ao Rei da Comédia, onde
realidade e o onírico não se distingue), em que é comediante de sucesso, que
vive um relacionamento amoroso com sua vizinha Sophie (Zazie Beetz). Mas
essas ilusões nada mais são do que fugas da realidade que o oprime. Só quando encontra
a violência, primeiramente quando tentar se defender, é que realmente o
personagem encontra seu refúgio e logo depois reconhecimento. E a forma que
Phoenix vai mudando gradualmente a sua postura e transformando seu personagem
mais confiante e ameaçador faz girar a lógica da escadaria ao contrário, onde agora nasce
o Coringa e ele está descendo e dançando em direção a insanidade com um sorriso
em seu rosto, aceitando a loucura. Aqui ele tem o que sempre sonhou: reconhecimento.
O diretor toca nas feridas da luta de classe e na hipocrisia
da mídia. Thomas Wayne (Brett Cullen) é um homem que representa toda
essa diferencia entre os ricos e cidadãos de Gotham, que pouco se importa com
cidade, a não ser quando o afeta. Já apresentador de Talk Show, Murray Franklin
(por Robert de Niro, estando no papel similar de Jerry Lewis em Rei da
Comédia) representa a hipocrisia da TV que faz piadas com os problemas da
cidade, apenas em busca de audiência.
Mas é justamente em pontos de virada no roteiro que conectam
a vida dos Wayne, de Franklin e Coringa que mora a tensão no filme. As
consequências não poderiam ser piores. Aqui o roteiro (escrito por Phillips e
Scott Silver) cria uma tensão patente na vida de Arthur, onde as consequências
são vem em forma de desejo de vingança e violência. Gotham, por meio do acaso,
usa a imagem do palhaço como símbolo de resistência as desigualdades de
classes. E torna o coringa em um mártir, lembrando V de Vingança e mito de
Guy Fawkes.
Talvez aí more os
dois grandes problemas do longa. Apesar de compreensivo narrativamente,
transformar o personagem no mártir é uma escolha corajosa e perigosa. Parte do
público pode se identificar demais com o personagem e realmente enxergá-lo como
herói. Ao contrário da abordagem que Scorsese usa em Taxi Driver de sempre nos
alertar que estamos vendo um estudo de psicopata em potencial se transformar em
nossa frente, mas sem que o público torça por ele. Talvez seja a primeira vez que vemos a grande loucura
que sempre o palhaço do crime tenha desejado implementar em Gotham, desde sua
criação dos quadrinhos, mas que sempre foi impedido pelo homem morcego.
Por fim, o caos toma conta da
tela. Coringa é um filme diferente de tudo que já foi feito nos
quadrinhos no cinema, tanto pela DC ou Marvel. Sem dúvida vai ser o filme que
mais vai gerar debates do ano de 2019. Qual é limiar da tragédia e comédia?
Bem, ao final do longa você que escolhe o que representa o sorriso no rosto.
Ele é de alegria ou desespero?
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