Dentre as diversas produções Hollywoodianas que são produzidas de forma massiva, é possível listar uma quantidade considerável que discorre sobre os quatro elementos naturais: terra, fogo, água e ar. Soa pouco inspirado que Frozen 2 (2019), sequência do estúdio do Mickey para seu clássico instantâneo lançado em 2013, se inicie já fazendo uso desta “cartada”. No entanto, sendo uma de suas protagonistas – Elsa (Idina Menzel) – uma força da natureza por ela própria (impossível não saber quem é a personagem à esta altura), é interessante perceber como o mais relevante na nova produção não é a narrativa em si, mas sim o quase caráter de character study que ela assume; e, desta forma, aquece o coração (não tão congelado) dos fãs.
Frozen 2: a conhecida jornada ao amadurecimento
Recheado de referências para os fãs, Frozen 2 resulta como um produto que se encontra dentro de uma zona confortável, mas agrada por ser cheio de um carinho evidente - por Gustavo Nery
A trama parte (ou prossegue) de eventos que se iniciam de forma inexplicada: três anos após assumir seu reinado em Arendelle na feliz companhia de Anna (Kristen Bell), Kristoff (Jonathan Groff), Olaf (Josh Gad) e Sven, a monarca Elsa começa a ouvir um curioso canto que parece alertá-la sobre algo que ela não compreende. Para decifrar o que ocorre e entender mais sobre o passado de sua própria família, a personagem segue com sua trupe de companheiros “em busca do desconhecido”: uma lendária floresta mágica. Claro que, à esta altura da narrativa, os próprios protagonistas, por meio de uma hilária sacada do boneco de neve falante, já perceberam que se trata da tradicional “Jornada do Herói” levantada pelo mitologista Joseph Campbell, cujo resultado é uma transformação pessoal. Pode-se perceber, por meio disso, que a inteligência da franquia Frozen não está no primor narrativo, e sim na autoconsciência e carisma de suas personagens, que são tão transparentes e divertidas quanto complexas.
Engana-se quem pensa que o character study aqui mencionado anteriormente concerne apenas à Elsa – que, sim, sai em busca de cavar mais fundo sobre sua essência e propósito. Além dela, praticamente todos os personagens apresentam evoluções em sua maneira de pensar e agir; e é ao perceber estas evoluções, mesmo nas mais pequenas, que está a beleza do filme. A personagem Anna, por muito rejeitada no longa-metragem prévio, apresenta um amadurecimento emocional que praticamente guia suas ações ao decorrer do novo filme; Olaf, por sua vez, divide suas (muitas) piadas com reflexões existenciais (que potencializam ainda mais humor). Até Kristoff, renegado ao escanteio de uma subtrama, ganha um número musical no qual pode explorar seus crescentes sentimentos pela namorada, com quem alimenta uma relação de parceria genuína e não tão romantizada (sendo a desconstrução do amor romântico ideal um dos motes de humor remanescentes do original).
Este é, aliás, um dos números de música mais cômicos da Disney. Novamente flertando com a autoconsciência como ferramenta jocosa, a balada oitentista “Lost in the Woods” é um ponto fora da curva que em muito cabe neste universo de “clássicos reescritos”. Além dela, outras belas sequências, como “Into the Unknown”, “All is Found” e “Lost Yourself”, demonstram o amadurecimento lírico que o casal de compositores Kristen Anderson-Lopez e Robert Lopez adquiriu ao longo dos já muitos anos de franquia, que também inclui curtas musicais e um espetáculo da Broadway. Não há nenhum hit chiclete como “Let It Go”, e a versão dublada das músicas deixa a desejar (tanto na adaptação quanto na interpretação, que em algumas canções é inferior à das vozes originais), mas a opção por baladas sentimentais cheias de quebras rítmicas certamente contribui para a atmosfera que o filme almeja alcançar.
Tecnicamente, a animação é primorosa. Não investe tanto no fotorrealismo como Toy Story 4, lançamento da gigante do entretenimento deste mesmo ano, mas ganha pontos no visual de elementos e paisagens naturais, nas texturas e no design de produção, que já se mostrava excelente no primeiro filme, desde o emprego das cores à recriação histórico-geográfica de elementos cênicos. Há um perceptível cuidado em cada detalhe e rica assimilação da cultura e das paisagens do norte da Europa (inclusive na escalação da cantora norueguesa Aurora como a tal voz que Elsa escuta – uma decisão mais do que apropriada).
Embora funcionem algumas das escolhas feitas pelo time de diretores Chris Buck e Jennifer Lee, essa última também roteirista do longa e chefe criativa do Walt Disney Animation Studios, outras acrescem defeitos à produção que a impedem de atingir seu máximo, como a introdução de novos personagens mal-desenvolvidos (para o efeito caça-níqueis em merchandising, talvez?) e uma série de variações tonais, rítmicas e narrativas do produto final. A força das personagens, apesar desses aspectos que ameaçam enfraquecê-la, muito sabiamente permanece firme como o elemento principal.
Recheado de referências para os fãs, vislumbre para os mais velhos e mensagens para os mais novos, Frozen 2 resulta como um produto que se encontra dentro de uma zona confortável, mas agrada por ser cheio de um carinho evidente. É recompensador observar a jornada cheia de nuances que se seguiu para cada personagem desde quando conquistaram a atenção do público pela primeira vez. Mais do que onde leva a trama, isto também é história, e o amadurecimento destas personalidades postas em tela não deve ser negligenciado como um mera bobagem para crianças.
Crítica por Gustavo Nery
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